Muito Além das Aparências


            Todo lugar tem seus personagens característicos e a praia da Barra, mais precisamente o posto 5, não poderia ser diferente. O vendedor de Matte de cara branca, o senhor sem braços que caminha todas as manhãs pela areia, o jogador de vôlei irritadinho, o pequeno exército cor de marca-texto de vendedores de sacolé. Mas nenhuma dessas figuras é tão conhecida e querida quanto o Coral.
            É assim que Severino Batista é conhecido pelos frequentadores do Quiosque do Lelê e da Barraca do Rafael. Ninguém sabe dizer ao certo o significado do apelido e pouquíssimos conhecem seu verdadeiro nome, mas muitos já ouviram falar dele. Há quase dez anos Coral vagueia pela orla da Barra da Tijuca, conquistando amigos e divertindo moradores. Ele está sempre por ali, faça chuva ou faça sol, sejam sete horas da manhã ou onze da noite, sempre com um sorriso no rosto e falando até com quem não conhece.
            E quem disse que é preciso ter dinheiro para ser feliz? Se você pensou que o Coral é um megaempresário cheio da grana, enganou-se. Ele é apenas um humilde morador de rua que não deixou que as adversidades da vida acabassem com seu alto astral. Ele fez melhor, aprendeu lições em tudo de ruim que teve de enfrentar e agora tenta passá-las adiante. “Ele é assim, se vê uma covardia, ele encara de corpo e alma. Por exemplo, ele não pode ver um filho querendo agredir uma mãe que quer logo se meter”, conta Rafael, dono da barraca na areia.
            E as dificuldades que Coral teve de enfrentar ao longo dos anos não foram poucas. Natural da Paraíba, lá ele passou por um dos maiores traumas da sua vida. Quando era criança, seu pai costumava chegar em casa bêbado. Nessas ocasiões, ele batia e violentava sua mãe, e Coral escutava calado. Até que um certo dia ele decidiu que não suportava mais aquela situação. Para criar coragem, bebeu um gole da garrafa de cachaça em cima da mesa e atacou o pai, mordendo sua orelha. “Essa história ele me contou bem ali naquela mesa, chorando que nem um bebê”, lembra Rafael.
            Depois da infância traumática, Coral deixou sua cidade e acabou indo parar em Minas Gerais. Lá se casou e teve um filho. Mas quis a vida que ele seguisse seu caminho, e então, por volta dos anos 2000, chegou ao Rio de Janeiro, onde se fixou e encontrou uma nova família, formada dessa vez por amigos. Rafael, que na época era apenas funcionário do quiosque, até hoje repete os primeiros gestos de confiança: empresta sua kombi para servir-lhe de cama.
            Apesar de ter conservado a alegria e o jeito espontâneo de ser, as dificuldades que enfrentou deixaram um enorme peso: os vícios. “Ah, o Coral fuma para caramba e quase não come! A gente fala, mas adianta?”, reclama um funcionário do quiosque. Além do cigarro, a bebida é outro problema muito sério. “À essa hora da noite é difícil encontrar o Coral sóbrio. Dizem que o alcoolismo é genético, né...”, comenta uma moradora da região, a quem Coral apelidou de “juíza”.
            “Você conhece o Zeca Pagodinho? Ele é meu amigo”, essa é geralmente a abordagem usual do Coral para se aproximar de desconhecidos. Ao ouvir essa conversa, qualquer desavisado poderia pensar que ele é só mais um louco, bêbado ou drogado. Mas apesar do cigarro e das bebidas, ele não é do tipo que inventa histórias. Sim, o morador de rua Severino Batista orgulha-se de poder dizer de boca cheia e peito bem inflado: “O Zeca é meu amigo”. Ninguém sabe precisar como aconteceu o primeiro encontro dos dois, basta saber que, assim como Coral, o Zeca costuma frequentar o Quiosque do Lelê. Para Coral, poucas palavras são necessárias para descrever o amigo: “O Zeca é do povo!”.
            Coral gosta de ser lembrado como amigo de um famoso cantor, mas na verdade, ele não é esquecido, justamente por ser uma pessoa humilde, sempre preocupada com o próximo. Ele é lembrado por ser apenas amigo.
            Na semana em que essa matéria foi produzida, um triste notícia abateu o posto 5: Coral foi internado com pneumonia no hospital Souza Aguiar. Lelê conta que na quarta-feira, último dia 14, Zeca foi até a orla e o levou para o hospital. Desde então, não chegaram novas informações.

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